Quatro dos cinco votos da primeira comissão disciplinar foram favoráveis à condenação no artigo 243-A do CBJD, que também prevê multa de R$ 60 mil; Flamengo irá pedir diminuição do número de jogos e validade apenas para o Brasileirão
Bruno Henrique em julgamento do STJD — Foto: Davi FerreiraA Primeira Comissão Disciplinar do STJD formou maioria (4 a 1) para condenar em primeira instância o atacante Bruno Henrique, do Flamengo, no artigo 243-A do CBJD por ter forçado um cartão amarelo e beneficiado apostadores em 2023, em um jogo contra o Santos, no Mané Garrincha, pelo Brasileirão. A pena votada por quatro auditores foi de 12 partidas e multa de R$ 60 mil.
Veja os votos:
O auditor/relator Alcino Guedes abriu a votação indicando a absolvição de Bruno Henrique no artigo 243 do CBJD, mas optou pela condenação do jogador no 243-A, pedindo pena mínima de 12 partidas e multa de R$ 60 mil.
O auditor Guilherme Martorelli citou que Bruno Henrique revelou que o clube havia ordenado que tomasse cartão amarelo, o que não se enquadra como prejuízo à instituição. Assim, absolveu-o no 243. Quanto ao 243-A, apontou que não se pode confundir estratégia de jogo com manipulação, e também absolveu. Porém, condenou-o no artigo 191, com multa de R$ 100 mil.
O auditor William Figueiredo votou pela absolvição nos artigos 243 e 191, mas seguiu o relator ao acolher a acusação do artigo 243-A, por conta das provas de mensagens entre Bruno Henrique e o irmão, e aplicou pena de 12 partidas e multa de R$ 60 mil.
A auditora Carolina Ramos também votou pela condenação no artigo 243-A, com pena de 12 partidas e multa de R$ 60 mil.
O presidente Marcelo Rocha tomou a mesma decisão, condenando Bruno Henrique no artigo 243-A, pedindo pena de 12 partidas e R$ 60 mil.
A pena aplicada pelo STJD valerá apenas para partidas do Campeonato Brasileiro. O relator do caso, Alcino Guedes, entretanto, fez menção a um pedido de extensão para o âmbito internacional, o que envolveria também a Libertadores. Michel Assef, advogado do Flamengo que faz parte da defesa de Bruno Henrique, irá recorrer.
A Procuradoria do STJD também pode recorrer da decisão.
Além de Bruno Henrique — que também é réu na Justiça Comum —, foram condenados também outros quatro atletas amadores: o irmão do jogador do Flamengo, Wander Nunes Pinto Junior (12 partidas oficiais de suspensão), além de Claudinei Vitor Mosquete Bassan (suspensão de 14 jogos), Andryl Sales Nascimento dos Reis e Douglas Ribeiro Pina Barcelos (ambos com punição de seis partidas).
Veja como foi o julgamento
Antes da apresentação do caso, a defesa de Bruno Henrique e do Flamengo apresentaram, em conjunto estratégia para pedir que o caso fosse invalidado por prescrição.
Por outro lado, o procurador Caio Porto Ferreira indicou que se trata de um caso de compliance esportivo. Confrontando o argumento da defesa de Bruno Henrique de que o STJD até havia arquivado o processo no final de 2024, Caio reiterou que ainda não havia acesso às trocas de mensagens entre o jogador e seu irmão, Wander. Com o compartilhamento destas provas, houve a possibilidade de instaurar o inquérito.
No início de seu voto, o procurador ainda criticou casas de apostas como a Betano, que é a agora é a patrocinadora máster do Flamengo, por não colaborarem com compartilhamento de informações e indicação de vítimas.
Por outro lado, o advogado Alexandre Vitorino, que representa Bruno Henrique junto de Michel Assef, voltou a defender o tempo de prescrição como motivo para invalidar o processo. O período duraria 60 dias, indo de 1º de novembro de 2023 (a data da partida entre Flamengo e Santos) a 31 de dezembro daquele ano. Portanto, a denúncia, datada de 1º de agosto de 2025, estaria fora do prazo.
— Prova nova não exuma prazo prescrito. A procuradoria se impressiona com as provas colhidas em uma busca e apreensão e muda de ideia com relação ao suposto conluio entre Bruno e Wander. A procuradoria não percebe que, para haver real inovação, precisaria cobrir as duas pontas. A conduta só existe se houver conluio entre Bruno e Wander e se o lance é considerado intencional e, mais do que isso, intencional para contemplar apostadores — disse.
O advogado também apontou que é impossível dizer que houve conluio entre Bruno Henrique e Wander, assim como que o lance gerador do cartão amarelo teria acontecido exclusivamente para beneficiar apostadores.
Representando o Flamengo no julgamento, o advogado Michel Assef Filho reiterou que o clube rubro-negro reprova condutas que dizem respeito à manipulação de resultados e decidiu dar apoio ao seu atleta. Ele voltou a falar sobre o período de prescrição do caso e criticou a Procuradoria do STJD por não buscar as próprias provas e depender da investigação da Polícia Federal.
— Isso aqui é o Campeonato Brasileiro, da CBF. Portanto, a jurisdição é da Confederação Brasileira de Futebol, e, portanto, desse CBJD. Estamos falando aqui do prazo prescricional do Código Brasileiro de Justiça Desportiva, já que o Código Disciplinar da FIFA não se aplica nas competições nacionais. Portanto, por todos esses argumentos já trazidos, esse processo precisa ser arquivado de uma vez por todas — afirmou.
Debate entre suspensão e interrupção da prescrição
A Procuradoria do STJD e a defesa de Bruno Henrique, então, travaram uma batalha em torno do argumento de suspensão e interrupção da prescrição, relativo ao fato de a entidade ter aberto o inquérito em maio, mas as provas da Polícia Federal terem aparecido apenas em junho. Um auditor e o presidente Marcelo Rocha concordaram.
Já outros três auditores, que formaram maioria na discussão, discordaram. O trio se embasou na afirmação de que a apresentação de provas teria recomeçado o prazo em junho, o que resultaria nos 58 dias.
O auditor/relator Alcino Guedes defende que o caso não seja prescrito
O auditor Guilherme Martorelli acolheu o pedido de prescrição.
O auditor William Figueiredo defende que o caso não seja prescrito.
A auditora Carolina Ramos defende que o caso não seja prescrito.
O presidente Marcelo Rocha votou a favor da prescrição para encerrar a sessão.
Na retomada do julgamento, a defesa argumentou, através de Assef, que a estratégia de provocar terceiro cartão amarelo é uma prática recorrente entre jogadores e clubes no futebol brasileiro, e que não configuraria prioritariamente uma tentativa de benefício a apostadores. Foi mostrado um lance no qual Zé Rafael, do Palmeiras, em um jogo do Brasileirão de 2024, segundo o rubro-negro, teria provocado uma clara forçação de cartão amarelo. Os comentários da transmissão em questão corroboram com essa versão.
Antes, o STJD usou prova de vídeo na qual Douglas Barcelos admite que sabia com antecedência do cartão que Bruno Henrique tomaria. Ele prestou depoimento admitindo o fato após ter feito acordo com o Ministério Público do Distrito Federal.
Na sequência, foram interrogadas duas testemunhas: Daniel Cola, delegado da Polícia Federal responsável pela investigação, e Pedro Lacaz, representante da casa de apostas KTO.
O advogado Vitorino protestou pelo não atendimento do requerimento do Flamengo em contar com a presença do árbitro Rodrigo Rafael Klein, que conduziu o jogo no qual Bruno Henrique recebeu os cartões, para prestar depoimento. O motivo para o pedido era ouvir a versão de Klein. Segundo o clube, também não haveria motivo para o jogador protestar contra o cartão amarelo, causa que lhe rendeu uma expulsão, se a advertência era desejada. A Procuradoria, porém, indeferiu esta solicitação.
Bruno Henrique se pronuncia
Para fechar a fase de apresentação de provas, Bruno Henrique se pronunciou brevemente, mas não respondeu perguntas:
— Gostaria de reafirmar minha inocência, dizer que confio na Justiça Desportiva, jamais cometi as infrações de que estou sendo acusado. Meus advogados estão aí e falarão por mim. Faço questão de mostrar respeito e minha total confiança nesse tribunal. Desejo excelente julgamento e que tudo transcorra de forma leve e justa — disse o jogador.
O procurador Caio Porto Ferreira pediu a condenação de Bruno Henrique, do irmão Wander Nunes Pinto Júnior, e os outros três apostadores envolvidos no inquérito. Ele relatou que o STJD teve acesso ao jogo completo entre Flamengo e Santos, e interpretou que teve outros momentos da partida em que o jogador forçou o cartão amarelo anteriormente. Da mesma forma, lembrou do depoimento prestado por Douglas Barcelos, no qual o apostador confirma ao Ministério Público do Distrito Federal que sabia da informação antecipadamente. Além disso, confirmou os artigos no qual os acusados foram denunciados e disse que o atleta prejudicou seu clube.
Por sua vez, Michael Assef rebateu o argumento de que o jogador precisa ser punido por ter prejudicado o Flamengo. Ele defendeu que apenas o clube pode dizer isso, e não a Procuradoria. Relembrando a situação da tabela no Brasileirão naquele momento e os jogos seguintes que o rubro-negro faria, contra Fortaleza e Palmeiras, disse que um cartão poderia acontecer sob aquelas circunstâncias e questionou qual informação privilegiada teria sido repassada. Assim, pediu absolvição. Na sequência, Alexandre Vitorino apresentou uma conversa para o tribunal no qual Bruno Henrique nega que ajudaria o irmão tomando cartão.
Por fim, houve a votação dos auditores e do presidente, onde foi tomada a decisão de, por maioria, condenar Bruno Henrique no artigo 243-A do CBJD com suspensão de 12 partidas e multa de R$ 60 mil.
Por qual motivo Bruno Henrique foi julgado?
Bruno Henrique foi acusado de ter compartilhado informações antecipadas sobre o cartão amarelo recebido em jogo contra o Santos no estádio Mané Garrincha, em Brasília, no dia 1º de novembro de 2023. O lance teria beneficiado seu irmão, Wander, que ainda teria repassado as informações a amigos.
Além da dupla, também foram denunciados e condenados pelo STJD Claudinei Vitor Mosquete Bassan, Andryl Reis e Douglas Barcelos. Também estão envolvidas Ludymilla Araújo Lima, esposa de Wander, e Poliana Ester Nunes Cardoso, prima de Bruno Henrique, mas ambas estiveram fora da mira do tribunal.
Fonte: O Globo
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